As peças soltas são, à primeira vista, apenas objetos simples, paus, pedras, conchas, rolhas, tecidos, etc... Mas nas mãos das crianças, tornam-se pontes, casas, balanças, ninhos ou constelações.
São materiais abertos, manipuláveis e sem uma função pré-definida, que convidam à imaginação, à construção e à descoberta.
O termo loose parts foi introduzido por Simon Nicholson (1971), que defendia que a criatividade de uma criança é diretamente proporcional ao número e à variedade de variáveis presentes no seu ambiente. Quanto mais elementos ela puder combinar, mover, transformar ou reorganizar, maior será o seu potencial criativo e científico.
Brincar para compreender o mundo
Brincar com peças soltas é muito mais do que uma atividade lúdica, é uma forma de investigação.
Cada material tem propriedades próprias: peso, textura, equilíbrio, som, densidade, temperatura.
Ao empilhar blocos, equilibrar pedras ou enrolar cordas, as crianças testam hipóteses sobre gravidade, força, atrito e estabilidade, observando, prevendo e comparando resultados.
É assim que se constroem as primeiras ideias sobre o mundo físico, com o corpo inteiro.
Antes de compreenderem o conceito de “força”, as crianças empurram e puxam; antes de aprenderem o que é “equilíbrio”, constroem torres que caem e voltam a erguer-se.
Cada tentativa é uma experiência empírica, cada erro uma hipótese revista. O brincar torna-se, literalmente, um laboratório vivo.
Mas o valor das peças soltas não se esgota na ciência.
Ao criarem e recriarem o seu próprio brincar, as crianças desenvolvem pensamento flexível, autonomia e persistência.
Aprendem a negociar, a comunicar, a cooperar. Descobrem que há muitas formas de chegar a uma solução — e que as ideias crescem quando são partilhadas.
Como começar — e simplificar
Para implementar o brincar com peças soltas, não é preciso criar uma “sala especial” nem comprar materiais caros.
O segredo está no acesso.
Materiais naturais e reutilizados, interessantes e seguros, devem estar disponíveis de forma clara e bonita: em cestos baixos, tabuleiros rasos, frascos transparentes.
O adulto cria um ecossistema de possibilidades, e a criança faz o resto.
As melhores peças vêm do quotidiano e da natureza: paus, pedras, cascas, sementes, tecidos, rolhas, caixas.
O critério não é “bonito ou feio”, mas “posso mexer nisto, comparar, combinar, transformar?”.
Recolher materiais com as crianças é já uma experiência de observação científica e ecológica — um exercício de ética e de cuidado pelo ambiente.
E há um detalhe essencial: a forma como apresentamos os materiais muda a qualidade da brincadeira.
Quando algo é visível e bem disposto, a mensagem é “isto tem valor”.
E quando algo tem valor, é cuidado com mais respeito. Assim, o brincar torna-se também uma prática de sustentabilidade e responsabilidade.
O papel do educador
O adulto não está ali para “dar uma atividade”, mas para preparar condições de exploração séria e deixar acontecer.
Observa, escuta e faz perguntas que abrem pensamento, em vez de dar respostas imediatas:
“O que mudou quando trocaste esta peça por aquela?”
“Como sabes que isto está estável?”
“O que achas que vai acontecer se colocarmos mais peso deste lado?”
Cada pergunta convida à observação e à reflexão — e aproxima a brincadeira do método científico.
Segurança primeiro
Segurança, neste contexto, não significa eliminar o risco, mas ensinar a avaliá-lo.
Mostra às crianças que algumas peças são seguras se souberem como as usar. Essa confiança partilhada constrói autonomia e auto-regulação.
Peças soltas e currículo — uma ligação natural
As peças soltas podem ser integradas em todas as áreas do currículo:
- Em Ciências e Estudo do Meio, exploram-se propriedades dos materiais, forças e equilíbrio;
- Em Matemática, comparam-se tamanhos, pesos e padrões;
- Em Português, escrevem-se descrições, instruções ou pequenas narrativas sobre o processo;
- Em Artes, criam-se composições com cor e textura;
- Em Cidadania, reflete-se sobre reutilização e respeito pela natureza.
Quando o brincar é visto como investigação, o currículo deixa de estar preso ao manual e passa a viver no mundo real.
Um convite a experimentar
As peças soltas são, no fundo, uma filosofia de aprendizagem: aberta, criativa e profundamente humana.
Elas devolvem às crianças o controlo sobre o seu brincar, e isso é poderoso.
Porque quando a criança tem tempo, liberdade e materiais abertos, pensa, experimenta e descobre por si.
Se queres começar, não precisas de muito — apenas curiosidade e vontade de deixar as mãos das crianças fazerem perguntas.
E para quem quer aprofundar o tema, o Guia “Peças Soltas — O poder do brincar aberto” reúne fundamentação pedagógica, sugestões práticas e propostas para o pré-escolar e o 1.º ciclo.
Uma ferramenta simples, inspiradora e científica para quem acredita que a aprendizagem começa nas mãos.
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