Rocha ou trilobite?

Rocha ou trilobite?

Rocha ou trilobite?

Uma estória com 500 milhões de anos.*

O que vê nesta imagem?

Certamente que o leitor vê uma rocha, ou uma pedra. E se eu lhe disser que vejo um livro?

Sim, leu bem. Um livro.

Bem sei que corro o risco de o leitor julgar que sou com o Dom Quixote, já que vejo livros onde os outros vêm pedras, mas repare bem: Este objeto permite-me descobrir coisas novas, viajar até ao passado e imaginar o futuro… tal e qual como um bom livro!

Nós, os geólogos, somos treinados para interpretar as rochas, para encontrar nelas vestígios da história da terra.

A estória desta rocha é muito especial, porque conta uma parte da história do nosso país.

Esta é uma rocha metamórfica chamada quartzito. Foi encontrada numa praia no norte de Portugal, mas poderia ter sido encontrada numa montanha da Beira Baixa ou do Atentejo. Faz parte de uma grande unidade chamada Quartzito Armoricano, que tem mais de 400 milhões de anos e se prolonga por toda a Europa.

Este tipo de rochas formam-se a partir de alterações, em condições de pressão e temperatura muito elevadas, de outras rochas, como areias ou argilas.

Um observador atento reparará numas pequenas marcas na rocha. Estas não são umas marcas quaisquer. São um fóssil, chamado cruziana. As cruziana são icnofósseis, marcas da passagem de seres vivos. Estas foram deixadas por animais chamados trilobites. Artrópodes marinhos que viveram há 500 milhões de anos, povoando as águas geladas dos fundos dos oceanos.

Eram animais fascinantes… Mas feios! Tinham um corpo achatado, alongado e rígido, coberto por uma estrutura quitinosa. O seu corpo estava dividido em três lobos, o cefalão (ou a cabeça) o tórax e o pigídio (ou cauda) e tinham mais de uma dezena de pares de patas, que se prolongavam por todo o corpo, as pleuras.

A forma com se alimentavam era peculiar. Cavavam túneis nas areias e argolas dos fundos oceânicos à procura de vestígios de matéria orgânica. Ingeriam a matéria orgânica, misturada com os sedimentos, que filtravam posteriormente, dentro do seu organismo. Este processo revelou-se muito útil para os geólogos. Enquanto a maioria dos túneis foram destruídos pelas correntes dos fundos marinhos, alguns foram preservados e fossilizaram.

A análise destes vestígios permite-nos recolher imensa informação sobre a geografia da terra na altura em que as trilobites viveram. Permitem-nos saber que havia trilobites de todos os tamanhos, desde as mais pequenas que mediam apenas alguns centímetros, até à maiores, as trilobites gigantes que mediam perto de um metro de comprimento.

O tipo de rochas em que encontramos os seus fósseis permite-nos compreender em que ambiente estes animais viviam, aguas profundas e frias de climas tropicais.

Assim, era impossível Portugal, há 500 milhões de anos, estar na mesma latitude em que está hoje. Na verdade, nesta altura, o território de Portugal  fazia parte de um fundo marinho num bordo de um oceano, localizado no hemisfério sul, perto da linha do equador.

Por isso, deixo-vos um conselho, da próxima vez que estiverem com um geólogo, deem-lhe uma rocha e peçam-lhe para vos contar uma historia.

*Este texto foi originalmente apresentado na candidatura ao concurso de comunicação de ciência, Famelab, em março de 2016
Voltar para o blogue